Os pavões

Cheguei ao restaurante Oriento e pedi uma carne desfiada com legumes. O garçom serviu-me antes um pratinho com pepinos doces.

A carne desfiada com legumes era uma deliciosa mistura de camarão, broto de bambu, alface, cenoura, cebola, cogumelo, nabo e fino macarrão.

Minha pele vibrou quando senti que o cheiro da comida era igual ao do sexo da minha segunda namorada.

Degustei aquela comida em absoluto silêncio. Mastigava lentamente, fazendo com que o alimento fosse totalmente triturado e molhado com uma generosa quantidade de saliva morna. Sorvia todos os sucos daquela comida extremamente quente, meus olhos umedeciam, tomava chá de jasmim e meus pensamentos voavam em direção norte.

Na parede do restaurante, duas esculturas de pavão em cobre azul prateado. Um macho e uma fêmea - gelados na frieza de uma parede branca -, olhavam para o meu prato. Incomunicáveis e felizes. Nos seus olhos não havia opinião, havia somente o gelo do cobre azulado indiferente à minha temperatura.

Continuava a comer e aos poucos fui sentindo a comida esfriar. Mais um gole de chá de jasmim, mais uma olhada nas parede brancas, mais um pensamento que, agora, voava em direção ao sul. A comida ficou completamente fria. Meu músculo voltou a repousar em sua temperatura morna e umidade viscosa. A comunhão da comida morta com o prato, com as paredes e com os pavões, era total e inerte. Quase sorri ao ver que os pavões premonitórios olhavam alienadamente para a comida e para mim, para a comida e para mim. Senti-me insultado com aquela atitude cínica daqueles pavões estúpidos, senti-me ridículo. Um horrível nó formou-se em minha garganta prenunciando lágrimas. E, nesse momento, os pavões destacaram-se da parede, foderam em cima do meu prato e fugiram voando pela janela do restaurante sem ao menos me permitirem dar-lhes um beijo de gratidão.

*

Agora o cheiro era só jasmim.

do livro A ilha de Sagitário
de Antonio Calloni