Prefácio por Viviane Mosé

Antônio Calloni sempre me emocionou como ator. Sua versatilidade, sua capacidade de se tornar outra pessoa, a intensidade como odeia, ama, aprova, diz. Sua presença, sempre tão marcante, nos olhos, cabelos, corpo, gestos, voz. E é esta mesma presença que transparece em seus textos, como se cada página nos trouxesse um pouco deste corpo, deste homem, com sua vida física que invade a folha em branco, a cena, a paisagem. Calloni escreve quase por determinação, uma ordem que vem de dentro, que se impõe a ele, como a mulher de cabelos azuis de mar, os vinhos, a dieta, as coxas da mulher amada, as noticias de jornal, o filho. Calloni escreve os rastros que a vida vai deixando em seu corpo, uma vida farta, plena de sabores e cheiros, fotografada enquanto se move, de bicicleta, não apenas pela lagoa, mas pelo mundo. Imagens fixas de um mundo que se desdobra, na pele de um homem que registra. Entre trechos de um dia, capturados pela lente clara dos seus olhos em uma prosa intima, surgem poemas, sínteses laminadas deste mesmo olhar, que agora perfila, talha, diminui o invólucro, de modo a caber o incabível em um fio tênue de letras. E ele, como ator, como prosador, agora como poeta, exerce esta força múltipla que chamamos arte, que, soberana, se impõe. A arte ilumina a vida, que inspira a arte. Nesta trama tecida a cada instante, Calloni transborda pelos cantos, deixando em letras aquilo que, por excesso de vida, o ator já não poderia contar. Que venha então o escritor, o prosador, o poeta.

do livro 50 anos inventados em dias de sol (e algumas poesias)
de Antonio Calloni