Os contos do ator e poeta Antonio Calloni
O Palma Cavalão de 'Os Maias' mostra mais uma vez sua versatilidade em 'A Ilha de Sagitário'

Débora Rubin

Antonio Calloni sempre teve um autopreconceito por gostar de escrever. Pensava: "Por que este ator quer se meter a escritor?" Mas deixou a repreensão de lado e, como autor, passou a experimentar diferentes estilos literários. Em seu primeiro livro, "Os Infantes de Dezembro", foi a poesia. Agora, com "A Ilha de Sagitário", são os contos e, em breve, o ator-autor lança seu primeiro romance. Atualmente, Calloni está em "Os Maias" como o inescrupuloso jornalista Palma Cavalão, que trabalha na redação do jornal "Corneta dos Diabos". Nos contos, Calloni tem a mesma versatilidade de um ator. Relembra um episódio de sua infância, quando sai para caçar pássaros com o pai e com a cachorra Diana (a deusa da caça), no poético "A Ilha de Sagitário" e, numa linguagem que lembra boletim de ocorrência, constrói o enxuto "A Matéria". "Eu acho que quase escrevi um conto policial", diz o autor.

Como nas poesias de "Os Infantes de Dezembro", a sexualidade está presente em alguns contos. Em o "Labirinto de Dominó", o autor retrata a descoberta do sexo em uma prosa que remete ao linguajar caipira do interior de Minas Gerais. Já em "A Mulher Espumante", narra a história de uma mulher de uma "feiúra inoxidável" que seduz os homens com seu sexo avolumado e cheiroso. "É um conto que mostra o sexo como algo perigoso", explica. Para ele, a temática sexo ainda é um fator transgressor na literatura.

Em relação à temática ligada à família - a mais evidente no livro -, Calloni explica que há muito de sua história como filho de imigrantes italianos, mas que não se trata de textos autobiográficos. "Tem muita fantasia no meio", avisa. Mas o que é real e o que é fantasia? "Deixa o leitor tentar descobrir", brinca. "Eu, como autor, gostaria de misturar os dois."

Em "A Ilha de Sagitário", por exemplo, a história da caça é real, mas Calloni mata o pai, que, na vida real, adorou o conto. Mais que isso ele não revela. O conto que dá nome ao livro foi escrito pela primeira vez em 1986. "De lá para cá eu o refiz várias vezes." Para compor personagens suburbanos como a empregada Elisa, de "A Matéria", e Totó, o vendedor de cachorro-quente de "Uma Festa muito Antiga", Calloni conta que se inspirou em pessoas de se cotidiano. "Elas me permitem ter conhecimento de causa."

Uma certa dose de realismo fantástico também está presente no livro. No conto "Os Pavões", duas esculturas no formato da ave que enfeitam um restaurante tomam vida e levantam vôo. Já em "O Circo Almeida", os personagens morrem após 25 minutos de gargalhada sem nenhum motivo aparente. "É bastante niilista", diz o autor sobre seu livro. "Mas acho que a melhor definição é a de Olga Savary (escritora que assina a orelha do livro): obra de um humor ensandecido."

Calloni, que está lendo "Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século" (organizado por Italo Moriconi), diz que como contista não tem nenhuma fonte de inspiração, mas como poeta tem Manuel Bandeira e Manoel de Barros como seus mestres.

publicado no jornal Valor Econômico
em 30 de janeiro de 2001